Oficinas reuniram diferentes setores para debater a gestão do território; recomendações serão sistematizadas em documento ao poder público
Durante três encontros realizados entre fevereiro e abril, o Projeto Ilhas do Rio coordenou a criação e condução de um Grupo de Trabalho (GT) inédito com o objetivo de debater o futuro das Ilhas de Peças e Palmas, localizadas no entorno dos Parques Natural Municipal da Prainha e de Grumari, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Pela primeira vez, representantes das três esferas de governo (municipal, estadual e federal), além de representantes da sociedade, comunidades tradicionais, universidades, associações locais sentaram à mesa, estabelecendo um espaço de escuta qualificada e construção coletiva de propostas para a conservação marinha da região.
A iniciativa surge a partir de mais de um ano de pesquisas conduzidas pelo Projeto Ilhas do Rio, que revelaram uma biodiversidade marinha excepcional nas ilhas, mas também impactos preocupantes provocados pelo turismo desordenado e pela pesca irregular. Os dados corroboraram para a inclusão da região na extensão do Hope Spot das Ilhas Cagarras e Águas do Entorno, reconhecida pela Mission Blue, e motivaram o advocacydo projeto a iniciar um processo de mobilização para transformar a zona marinha associada ao Parque Natural Municipal da Prainha e de Grumari, impulsionando uma proteção mais eficaz das Unidades de Conservação.
O trabalho está alinhado à meta global 30×30, que busca proteger 30% das áreas marinhas e terrestres do planeta até 2030. Cerca de 90% do Mar Territorial do Rio de Janeiro foi classificado como de Alta Importância Biológica por um esforço nacional de Planejamento Espacial Marinho (PEM). Apesar disso, menos de 1% do território marinho da cidade é protegido como área de exclusão, subindo para 4% se considerado o estado.
Esses números, calculados pelo Projeto, são baseados na área do Corredor Azul segundo o Plano de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática para a Cidade do Rio de Janeiro (PDS, 2020), que carece de ações de conservação oceânica consideradas relevantes para o combate às mudanças climáticas. Uma delas, como anunciado pelo governo estadual em outubro de 2024, na COP da Biodiversidade, é justamente a intenção de criar uma área marinha protegida na Zona Oeste, o que torna o trabalho do GT ainda mais relevante.
“O GT nasce como um fórum de diálogo inédito na região, conectando saberes tradicionais, ciência e gestão pública. As oficinas permitiram construir mapas colaborativos dos usos do território e gerar recomendações a partir da escuta ativa de todos os setores envolvidos”, explica Mariana Clauzet, profissional de Advocacy do Projeto Ilhas do Rio.
As oficinas reuniram a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAC), o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) e o ICMBio, representantes da Trilha Transcarioca e do Comitê de Bacias Hidrográficas da Baía de Guanabara, além de pescadores artesanais vinculados às colônias e associações locais, profissionais do turismo, associações de surf, moradores, organizações da sociedade civil e pesquisadores da UFRJ, UFF e Jardim Botânico, e que juntos, contribuíram para a construção coletiva de propostas para a conservação marinha da região.
As metodologias participativas foram conduzidas pela equipe do projeto em parceria com a Bloom Agência de Mudança. Além dos mapas, os encontros resultaram em uma série de propostas que servirão de base para a elaboração, a partir de agora, de um documento oficial a ser entregue aos órgãos responsáveis.
RECOMENDAÇÕES CONSTRUÍDAS PELO GT
BIODIVERSIDADE RICA E IMPACTOS HUMANOS REFORÇAM NECESSIDADE DE PROTEÇÃO
O impulso para a criação do GT veio dos estudos iniciados em 2024 pelo Projeto Ilhas do Rio nas Ilhas de Peças e Palmas, localizadas no entorno dos Parque Natural Municipal da Prainha e de Grumari. O levantamento da biodiversidade revelou a presença de 102 espécies de peixes recifais, sendo três delas endêmicas da província brasileira — Elacatinus figaro, Sparisoma axillare e Sparisoma tuiupiranga. Também foi identificada uma espécie exótica (Chromis limbata) e espécies alvo da pesca como garoupas, corvinas e robalos.
Na fauna bentônica, foram registradas 143 espécies, incluindo organismos observados pela primeira vez no litoral carioca, como o nudibrânquio Roboastra ernst. Polvos, lagostas, estrelas-do-mar, ouriços-lilás e o coral-cérebro completam a lista, com diversas espécies classificadas como ameaçadas de extinção. No entanto, o estudo também evidenciou pressões crescentes sobre o ecossistema, como lixo marinho, turismo desordenado, pesca predatória e a presença de espécies invasoras. A batimetria da região identificou áreas rasas críticas para o recrutamento de espécies, que demandam proteção urgente.
Diante deste cenário, o Projeto Ilhas do Rio assumiu o papel de articulador entre os diferentes setores para garantir uma proposta de ordenamento da região que leve em consideração tanto a conservação ambiental quanto os usos tradicionais sustentáveis. A participação ativa da comunidade local e dos atores diretamente envolvidos é essencial para a criação de medidas eficazes de proteção. “Acreditamos que o processo de escuta e construção conjunta iniciado nas oficinas é um passo decisivo nesse caminho”, reforça Mariana.