Pesquisa detecta cocaína em tubarões do Hope Spot das Ilhas Cagarras e Águas do Entorno

Rhizoprionodon lalandii sendo analisado em laboratório. Foto: divulgação

Mais um alerta da ciência sobre os impactos à vida marinha: um artigo publicado na revista internacional “Science of the total environment” revela que foram detectadas cocaína e benzoilecgonina, o principal metabólito da droga, em tubarões de águas costeiras do Rio de Janeiro. No artigo, são apresentados os resultados da pesquisa que identificou as substâncias em músculos e fígados de 13 tubarões da espécie Rhizoprionodon lalandii, conhecida popularmente por “cação rola rola”, “tubarão-bico-fino-brasileiro” ou por “cação-frango”.

É o primeiro estudo no mundo sobre concentrações de cocaína e de benzoilecgonina em tubarões de vida livre e foi realizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidades Federais de Santa Catarina (UFSC) e do Rio de Janeiro (UFRJ), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do IMAM-Aqua Rio e do Instituto Cape Eleuthera (Bahamas). Para o Projeto Ilhas do Rio, a pesquisa é uma importante contribuição para o desenvolvimento científico sobre os impactos à vida marinha e reforça os apelos de organizações e projetos de que é urgente a adoção de ações mais eficazes para o combate à poluição do oceano. 

Tubarões são bioacumuladores

Segundo o artigo, publicado em julho, foram analisadas amostras de tecidos musculares e hepáticos de 3 machos e 10 fêmeas da espécie Rhizoprionodon lalandii que foram capturados por pescadores artesanais de setembro de 2021 a agosto de 2023, na região da praia do Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do município do Rio de Janeiro. A área de estudo passou a fazer parte do Ponto de Esperança das Ilhas Cagarras e Águas do Entorno em abril de 2024, mas o que os pesquisadores concluíram não foi nada animador: os 13 animais foram “expostos à cocaína durante a vida”, pois a droga foi encontrada “em todas as amostras de músculo e fígado”. Além disso, o estudo identificou que as concentrações das duas substâncias nos tecidos dos 13 tubarões foram maiores que “os níveis relatados na literatura para peixes e outros organismos aquáticos em até duas ordens de grandeza”.

Tubarões são bioacumuladores, ou seja, por ocuparem o topo da cadeia alimentar, ao longo da vida vão se alimentando de vários seres vivos, que, por sua vez, também se alimentam de outros organismos. Se em algum ponto dessa cadeia, algum organismo se contamina com substâncias tóxicas como a cocaína e outros poluentes lançados diretamente ao mar, rios e esgotos, essa substância vai passando de organismo em organismo, até se acumular no topo dessa cadeia. Nesse caso, no topo estão os tubarões-bico-fino do Rio de Janeiro.

Contaminação por cocaína: impactos à segurança alimentar

Segundo o artigo, é possível, a partir dos resultados, apontar potenciais impactos à “saúde” e ao “comportamento” de animais marinhos, às “estruturas ecológicas”, aos “serviços ecossistêmicos” e à “segurança alimentar relacionada ao consumo de pescado”. O estudo destaca que, diante dos altos índices de consumo de cocaína ao redor do mundo, a droga é considerada uma substância que contamina o meio ambiente, especialmente o de áreas urbanas de nações em desenvolvimento, como o Brasil. O artigo cita os dados do Relatório Mundial sobre Drogas 2023 das Nações Unidas que traçam um crescimento exponencial do consumo global de cocaína nas últimas décadas, estando o Brasil como um dos grandes mercados consumidores. 

Para os pesquisadores, a cocaína é categorizada como uma droga “pseudopersistente” em razão de “sua contínua liberação ambiental por instalações de tratamento de esgoto” e até mesmo por “operações clandestinas de refino” ou “por pacotes de cocaína à deriva” que não são recuperados por traficantes ou autoridades.

Tubarões e raias: “espécies sentinelas” para estudar a contaminação ambiental

As espécies de tubarões e raias, muitas delas ameaçadas de extinção, “desempenham papéis cruciais nos ecossistemas marinhos como predadores, moldando cadeias tróficas marinhas e são reconhecidas como espécies sentinelas” para a identificação da “contaminação ambiental”, conforme o artigo.

No caso da espécie Rhizoprionodon lalandii escolhida para a realização da investigação científica, os autores do estudo afirmam que esses animais têm “um ciclo de vida completo confinado a ambientes costeiros” e “elevada fidelidade ao local”, o que pode indicar “com precisão as condições ambientais na área de estudo”.  Para os pesquisadores, a compreensão sobre a “assimilação das drogas” e outros “contaminantes emergentes” por seres vivos desta espécie pode “oferecer informações valiosas sobre avaliações de risco à saúde humana e à segurança no consumo” de recursos pesqueiros.   

Recomendações da pesquisa

A partir dos resultados apresentados, o estudo recomenda que é urgente a adoção de medidas para resolver o problema da contaminação ambiental pelas substâncias identificadas nos tubarões, além da definição de “quadros jurídicos robustos” relacionados ao tema. Segundo o artigo, “os órgãos reguladores devem reconhecer a presença” das substâncias tóxicas em “ecossistemas marinhos e incorporar monitoramento e estratégias de mitigação” a partir da “legislação ambiental existente”, com “programas regulares de vigilância para avaliar a extensão da contaminação e os seus potenciais impactos nas espécies marinhas”.  

Os pesquisadores sugerem ainda a realização de campanhas de conscientização social sobre “as consequências ecológicas da poluição causada pelas drogas” e a adoção de “iniciativas colaborativas” entre governos, instituições de pesquisa e organizações que atuam na conservação marinha para que sejam desenvolvidas “estratégias de gestão eficazes” para a conservação da biodiversidade marinha”.

O estudo foi realizado pelos pesquisadores da Fiocruz Gabriel de Farias Araujo, Rachel Ann Hauser-Davis e Enrico Mendes Saggioro;  Luan Valdemiro Alves de Oliveira e Silvani Verruck, ambos da UFSC; Rodrigo Barcellos Hoff, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Natascha Wosnick, do Instituto Cape Eleuthera; e por Marcelo Vianna, da UFRJ, e atualmente no Ministério da Aquicultura e Pesca.

Rhizoprionodon lalandii sendo analisado em laboratório. Foto: divulgação
Rhizoprionodon lalandii sendo analisado em laboratório. Foto: divulgação

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