Uma pesquisa publicada no periódico internacional Animals revelou que quase 70% dos botos-cinza (Sotalia guianensis) fotografados na Baía de Sepetiba (RJ) apresentaram sinais de saúde debilitada, como a proeminência de costelas. A espécie é classificada como “vulnerável” na avaliação de risco de extinção brasileira e é considerada uma prioridade de proteção pela Comissão Baleeira Internacional (IWC) e pelo Plano de Ação Nacional para a Conservação de Mamíferos Aquáticos, conforme o artigo publicado com os resultados da pesquisa.
O estudo é a primeira avaliação da condição corporal dos botos-cinza da Baía de Sepetiba, um ecossistema que enfrenta crescentes pressões das atividades humanas na região, como poluição, pesca excessiva e tráfego marítimo. Ele foi realizado por pesquisadores do Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (ECoMAR), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e tem como autor principal Deyverson Silva, e o Dr. Guilherme Maricato, que integra a equipe de pesquisas sobre cetáceos do Projeto Ilhas do Rio, na co-autoria.
Segundo Deyverson, a partir da pesquisa é possível verificar que “a população de botos-cinza na Baía de Sepetiba está comprometida em termos de condição corporal, evidenciando a magreza excessiva.” De acordo com ele, os achados “ressaltam como as pressões humanas intensas, como a ação das indústrias no local, estão impactando negativamente a saúde desses cetáceos, que são indicadores essenciais de saúde do ecossistema costeiro.”
Condição corporal dos golfinhos: indicador-chave de saúde
O objetivo do estudo foi investigar a condição corporal dos botos-cinza com a utilização de fotografias padronizadas tiradas de um barco de pesquisa, entre 2017 e 2022. A condição corporal é um indicador-chave da saúde dos animais e foi avaliada a partir da redondeza visível, da musculatura epaxial (localizada no dorso) e da proeminência das costelas dos 79 indivíduos identificados em 29.737 fotografias realizadas para o estudo.
Como a Baía de Sepetiba abriga uma das maiores populações de botos-cinza, a investigação sobre ela é um indicador útil para a avaliação do estado de conservação da espécie. Os resultados da pesquisa na Baía de Sepetiba também podem contribuir para o mapeamento de informações sobre os impactos ambientais a outras espécies.
Os cetáceos são sentinelas ambientais, pois têm alta expectativa de vida e podem dar sinais sobre as perturbações aos ecossistemas marinhos onde vivem. Além disso, várias espécies de cetáceos são predadoras de topo da cadeia alimentar “com capacidade de exercer controle de cima para baixo sobre comunidades biológicas, além de serem espécies-chave cujo desaparecimento tende a ter um grande impacto nas teias alimentares locais”, diz o artigo.
Boto-cinza: cetáceos costeiros vulneráveis
Segundo a pesquisa, os botos-cinza, que são pequenos cetáceos que medem até 230 cm de comprimento e com peso máximo de 150 kg, podem viver, em média, até 33 anos e têm como habitat as “águas marinhas e estuarinas, incluindo baías, nas Américas tropicais orientais, do sul do Brasil, no estado de Santa Catarina, até o centro de Honduras”. Eles são “especialmente vulneráveis”, pois vivem próximos a localidades em que são frequentes e intensas as atividades urbanas e industriais.
Além da pesca em larga escala e do transporte marítimo, a poluição orgânica, química e sonora produzem impactos cumulativos, deixando os cetáceos “mais propensos a doenças, devido à sua imunidade reduzida, o que potencialmente leva ao aumento da mortalidade, conforme detectado pelo número de carcaças levadas para a costa”, diz a pesquisa.
Os autores do estudo destacam que “sinais externos de condição corporal, como a presença de doenças de pele e a proeminência das costelas”, são dados que podem revelar a condição de saúde e as vulnerabilidades.
Baía de Sepetiba: poluição afeta a vida marinha
Localizada no sudoeste do estado do Rio de Janeiro, a Baía de Sepetiba é um ambiente estuarino que passou, nas últimas décadas, por uma industrialização e crescimento urbano em larga escala, o que provocou uma maior exposição dos animais “a poluentes químicos, esgoto doméstico e transporte”, diz o artigo. Em consequência, houve “declínio na biomassa de peixes e macroalgas”, resultando em uma redução no tamanho do grupo de botos-cinza de mais de 50% e em uma diminuição nas taxas de assobio de quase 90%. Nos últimos anos, os indivíduos desta espécie também passaram a gastar mais tempo forrageando do que se alimentando.
De acordo com o artigo, a população de botos-cinza foi exposta, entre novembro de 2017 e fevereiro de 2018, ao “morbilívirus cetáceo (CeMV), um patógeno que causa imunossupressão, infecções secundárias, esgotamento da condição corporal e, em casos extremos, a morte.” Em um período de cinco meses, pelo menos 277 indivíduos, principalmente fêmeas e jovens, morreram em consequência da contaminação por CeMV.
Os autores do estudo esclarecem que a família do morbilivírus é altamente contagioso e pode provocar doenças em humanos e animais. “Em cetáceos, o CeMV causa danos ao sistema nervoso central, pneumonia e impacta em particular a manutenção e homeostase dos tecidos linfoides. Em botos-cinza, as consequências desta infecção incluem a incapacidade de manter a flutuabilidade, dificuldade de forrageamento, desorientação e suscetibilidade a infecções secundárias”, diz o artigo.
Detalhamento da pesquisa
Segundo o artigo, 35,44% dos botos-cinza fotografados foram classificados como “magros” e 32,91% foram avaliados como “emaciados”. Dos 79 indivíduos, apenas 26, ou seja 32,91%, estavam em boas condições de saúde. “Um total de 61 indivíduos foram avaliados na estação chuvosa (primavera e verão austral) e 18 na estação seca (outono e inverno). A frequência de indivíduos não saudáveis (“magra” ou “emaciada”) foi de 67,21% na estação chuvosa e 61,11% na estação seca”, conforme o estudo.
Outro aspecto avaliado pela pesquisa diz respeito às consequências do surto de CeMV para a saúde da espécie. “Comparando os períodos antes, durante e depois do surto de CeMV, um terço dos golfinhos estavam em boas condições antes e depois do período epizoótico, mas nenhum foi identificado em boas condições durante o evento. Após o surto, mais da metade dos golfinhos foram classificados como magros”, conforme o artigo.
Deyverson Silva esclarece que a “análise temporal da condição corporal dos botos-cinza antes, durante e após o surto do vírus morbilivírus revela que as populações já enfrentavam dificuldades significativas antes mesmo do surto.” Segundo ele, “esses dados mostram que os impactos acumulados de atividades humanas na Baía de Sepetiba não apenas comprometem a saúde dos botos, mas também podem aumentar a vulnerabilidade a doenças e prejudicar a capacidade de recuperação e sobrevivência a longo prazo desta população.”
Conclusões: estudo oferece insights para tomadores de decisão
A partir dos resultados, os autores do artigo concluíram que a investigação oferece “insights importantes” aos tomadores de decisão para a mitigação dos impactos ambientais, o que pode tornar possível a proteção da população local de botos-cinza. O artigo também é assinado por outros quatro pesquisadores: Tomaz Cezimbra, Larissa Melo, Israel S. Maciel e Rodrigo Tardin.