Conferência do Oceano da ONU em Nice Encerra com “Compromissos para o Oceano” e Apelo Robusto à Ação Global

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Nice, França – A 3ª Conferência do Oceano das Nações Unidas, realizada em Nice entre 9 e 13 de junho de 2025, foi um divisor de águas na governança e proteção do oceano. Em um ambiente de mobilização sem precedentes, o evento culminou na formalização dos “Compromissos de Nice para o Oceano”, um roteiro ambicioso que visa acelerar as ações necessárias para a saúde dos ecossistemas marinhos e a concretização do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14 da Agenda 2030. Detalhamos abaixo alguns pontos principais deste documento.

A conferência reuniu um importante contingente global: 175 Estados Membros da ONU, 64 Chefes de Estado e Governo, 28 líderes de organizações da ONU, intergovernamentais e internacionais, 115 ministros e um total de 12.000 delegados. Esses representantes, provenientes de todas as bacias oceânicas e correspondendo a mais de 90% das Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) mundiais, responderam ao convite do Secretário-Geral das Nações Unidas e dos presidentes da França e Costa Rica, co-presidentes do evento. A mobilização extraordinária refletiu a urgência de fortalecer o multilateralismo e a ciência diante das crescentes ameaças ao oceano.

Governança e Proteção: Um Novo Marco Legal

Um dos grandes avanços de Nice foi a notável aceleração das decisões em temas críticos como a governança dos altos mares, a sacralização das profundezas oceânicas e a proteção reforçada das Zonas Econômicas Exclusivas. Um marco histórico foi o impulso significativo para o Tratado sobre Biodiversidade Além das Jurisdições Nacionais (BBNJ), que regula 64% do oceano. Impulsionados pela conferência, 50 Estados já depositaram seus instrumentos de ratificação, e outros 18 estão em processo, garantindo a tão aguardada entrada em vigor do tratado até janeiro de 2026, um feito notável dado que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar levou 12 anos para ser implementada.

A conferência também reafirmou o papel central da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), enfatizando que qualquer atividade de mineração em águas profundas deve ser baseada em um código rigoroso, garantindo a proteção da biodiversidade. Um grupo de 37 países adotou uma posição ainda mais exigente, defendendo uma moratória preventiva na mineração em alto-mar para permitir a exploração científica dos ecossistemas abissais antes de qualquer exploração. Bancos de grande porte se juntaram a esse movimento, comprometendo-se a não financiar projetos de mineração nessa área. Além disso, 20 nações formaram um grupo de “Pioneiros do Oceano”, buscando impulsionar uma governança oceânica ambiciosa, integrando agências especializadas da ONU e organizações regionais.

A luta contra a pesca ilegal, não reportada e não regulamentada (IPNR) e a sobrepesca recebeu um novo fôlego. Agora, 103 Estados ratificaram o Acordo da OMC sobre Subsídios à Pesca Ilegal, incluindo 14 apenas em 2025. Vinte e três países ratificaram o Acordo da Cidade do Cabo sobre segurança de embarcações de pesca, com a expectativa de entrada em vigor até o final de 2025. Um avanço notável foi a ratificação da China do Acordo sobre Medidas do Estado do Porto (PSMA) da FAO, que agora conta com 82 partes. O bem-estar dos trabalhadores do mar também foi pauta, com mais Estados, como Costa do Marfim e Bélgica, endossando a Convenção da OIT sobre Trabalho na Pesca, elevando o total para 24.

A voz dos atores locais foi amplificada com a realização do primeiro “Parlamento do Mar” em 8 de junho, reunindo mais de 100 parlamentares que formaram a ICOP (Coalizão Interparlamentar para a Proteção do Oceano), comprometendo-se a levar “pacotes legislativos para o oceano” a seus respectivos parlamentos.

Ciência e Conhecimento: Expandindo Horizontes

A conferência de Nice consolidou o papel da ciência como pilar fundamental da governança oceânica. O One Ocean Science Congress, realizado antes da UNOC, reuniu mais de 2.000 cientistas e apresentou recomendações cruciais aos tomadores de decisão. Foi anunciada a ambiciosa “Missão Netuno”, um programa de exploração científica do oceano que unirá expertise oceanográfica e tecnologia, incluindo a astronáutica, para gerar conhecimento livremente acessível. A “Space4Ocean Alliance”, lançada em Nice, conectará o setor espacial com stakeholders marinhos para fortalecer os esforços de conservação através de dados avançados.

O nascimento do Mercator International Center for the Ocean, uma nova organização intergovernamental, trará sistemas digitais oceânicos de ponta, incluindo um “Gêmeo Digital do Oceano”. A comunidade científica também se comprometeu a publicar anualmente o “Starfish Barometer”, um relatório acessível ao público sobre o estado do oceano, suas pressões e impactos. A iniciativa “10.000 Barcos para o Oceano”, da IMO e da IOC/UNESCO, visa fortalecer a observação oceânica com o uso de inteligência artificial, que também tem sido utilizada para modelar poluição plástica e otimizar rotas marítimas.

A proteção das regiões polares ganhou destaque com o lançamento da Década de Ação para as Ciências da Crioconservação (2025-2034) e uma coalizão para a preservação de geleiras, ressaltando o impacto do derretimento do gelo no nível do mar.

Financiamento e Economia Azul: Compromissos Concretos

A mobilização financeira foi um dos pilares da conferência. Um total de €8,7 bilhões em investimentos foi comprometido por filantropos, investidores privados e bancos públicos nos próximos cinco anos, para apoiar uma economia azul sustentável e regenerativa. A iniciativa “Philanthropies and Investors for Ocean” lidera essa frente. Ativos sob gestão de instituições signatárias do “#BackBlue Ocean Finance Commitment” excedem €3 trilhões, integrando as prioridades oceânicas nas decisões financeiras globais.

Vinte bancos de desenvolvimento públicos formaram a “Ocean Coalition of Finance In Common”, comprometendo US$7,5 bilhões anuais. O chamado à ação “Business in Ocean” foi endossado por 80 organizações de 25 países, representando um faturamento combinado de €600 bilhões, com empresas comprometendo-se a integrar riscos e oportunidades relacionados ao oceano em suas estratégias. Um novo Pacto de Turismo Azul Sustentável foi lançado, e compromissos significativos foram feitos para a descarbonização de portos e transporte marítimo, impulsionados por um acordo histórico de precificação de carbono da IMO que visa a descarbonização total até 2050, mobilizando US$100 bilhões para combustíveis limpos e transição energética.

Combate à Poluição e Proteção de Espécies e Ecossistemas

A luta contra a poluição plástica ganhou um impulso decisivo com 96 países assinando a declaração “Nice wake up call for an ambitious plastics treaty”, um forte sinal político para as negociações em Genebra em agosto de 2025, pedindo medidas vinculativas e redução da produção. Projetos como o “Circumed” na região do Mediterrâneo buscarão alternativas concretas ao plástico.

Em relação à proteção de ecossistemas, o objetivo Kunming-Montreal de proteger 30% da terra e dos mares até 2030 recebeu um empurrão significativo. De 8,4% do oceano protegido antes da conferência, o índice já superou 10% devido à mobilização de 14 Estados que expandirão suas redes de áreas marinhas protegidas (AMPs). Foi anunciada a primeira Área Marinha Protegida transnacional em Alto Mar por Costa Rica, Equador e Colômbia. A França, por exemplo, comprometeu-se a cobrir 78% de sua ZEE com AMPs até 2026. Houve também compromissos para erradicar métodos de pesca destrutivos, como a proibição da pesca de arrasto de fundo pela Dinamarca e França. A proteção de espécies ameaçadas, como tubarões e raias, foi reforçada pela iniciativa “Sharks++”, que busca deter a extinção desses animais.

Ações Regionais e a Força da Sociedade Civil

A Conferência de Nice destacou o papel crucial dos atores regionais e locais. O primeiro Pacto Europeu para o Oceano foi apresentado, com um investimento de €1 bilhão da União Europeia. A Convenção de Barcelona celebrou seu cinquentenário, e a Cúpula África para o Oceano reuniu 45 Estados, liderados pela Princesa Lalla Hasnaa do Marrocos, para desenvolver uma economia azul sustentável no continente. O Fórum Mundial das Ilhas, com 30 Estados e territórios insulares, discutiu a vulnerabilidade e soluções concretas para o desenvolvimento sustentável e a descarbonização do transporte marítimo.

A voz da sociedade civil, das comunidades indígenas e dos jovens ressoou com força. A plataforma “Women Actions for the Ocean” já reúne mais de 2.000 mulheres de 45 países. Trinta organizações juvenis, representando 1,2 milhão de jovens, publicaram um “Manifesto Mundial dos Jovens Cidadãos do Oceano” e fizeram suas demandas às autoridades durante o “Storming of the Whale”. Todos esses atores, que muitas vezes foram esquecidos, demandam agora que sua representação seja sistematicamente garantida em todos os órgãos da ONU e em todas as negociações relativas à governança e proteção do oceano, levantando inclusive a questão do respeito aos direitos humanos e ao reconhecimento legal do oceano como um espaço humanitário.

Os “Compromissos de Nice para o Oceano” demonstram que, através da mobilização excepcional de todos, a Conferência não só traçou um caminho claro e uma agenda de ação, mas também abriu um novo capítulo transformador na ação global pelo oceano. Com apenas cinco anos restantes para alcançar as metas do ODS 14, e com as próximas COPs do Clima e da Biodiversidade no horizonte, o planeta clama por essa determinação e colaboração, e Nice mostrou que é possível ir além.

 

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