De Nice a Belém: os desafios e oportunidades para a sociedade civil brasileira na agenda oceano-clima

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Por Aline Aguiar e Mariana Clauzet – Projeto Ilhas do Rio / Instituto Mar Adentro

Em junho, estivemos em Nice, na França, para a 3ª Conferência da ONU sobre o Oceano (UNOC3). Foram cinco dias intensos reunindo chefes de Estado, cientistas, representantes da sociedade civil e do setor privado com um objetivo comum: dar passos concretos rumo à conservação e uso sustentável dos oceanos. Tudo isso dentro do compromisso maior com o ODS 14, que trata da vida na água.

Mas, para nós, brasileiras e parte da sociedade civil engajada com a pauta oceânica, a UNOC3 teve um significado ainda mais especial. Isso porque o Brasil está no centro do palco global ao sediar, em novembro de 2025, a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) — evento histórico que acontece em Belém do Pará, coração da Amazônia.

🌎 Clima, oceano e o Brasil no centro das atenções

A conexão entre oceano e clima nunca foi tão urgente. Na COP30, isso precisa estar claro. Afinal, 2025 marca os 10 anos do Acordo de Paris e será o momento de revisão das NDCs — as metas climáticas que cada país se comprometeu a cumprir. A expectativa é alta para avanços no financiamento climático e na transição energética, temas já quentes desde a COP29, realizada em Baku, no Azerbaijão.

Durante a UNOC3, o Brasil se posicionou fortemente. O presidente Lula, a ministra Marina Silva, a CEO da COP30 Ana Toni e outros representantes fizeram anúncios importantes:

  • Compromisso com a meta 30×30, de proteger 30% dos ecossistemas marinhos e costeiros até 2030.
  • Adoção de ações de adaptação baseadas no oceano, como o Planejamento Espacial Marinho.
  • Apoio ao Mangrove Breakthrough, com o lançamento do ProManguezal.
  • Criação do ProCoral, uma estratégia nacional para conservação de recifes.
  • E, talvez o mais simbólico: o lançamento do Blue NDC Challenge, em parceria com a França, incentivando países a incorporarem o oceano em suas NDCs.

📍 E Belém com isso?

Durante as June Climate Meetings da UNFCCC em Bonn, o Brasil apresentou os seis eixos temáticos da Agenda de Ação da COP30 — e, felizmente, o oceano está entre eles. A ideia é criar um verdadeiro “mutirão climático” unindo governos, sociedade civil e setor privado numa ação coordenada.

Mas fica a pergunta: como garantir que a sociedade civil — especialmente as comunidades tradicionais — tenha voz real nesses processos?

🐚 Vozes do mar, vozes do Brasil

A UNOC3 foi palco de importantes articulações brasileiras. Organizações como Confrem, Fundação Boticário, Instituto Linha D’água, PainelMar, Sea Shepherd, Instituto Mar Adentro, entre outras, puxaram eventos paralelos estratégicos. Um deles, chamado “De Nice a Belém”, foi um chamado coletivo para colocar o oceano no centro da agenda climática da COP30 — com escuta e respeito às comunidades tradicionais.

Outro momento emblemático foi o evento sobre pesca artesanal de pequena escala, que defendeu uma governança baseada em direitos humanos, soberania alimentar e participação comunitária. E os jovens também marcaram presença: em um debate sobre “Óleo, Plástico e o Futuro do Oceano”, nasceu o compromisso de criar uma Coalizão Nacional de Jovens para Justiça Oceânica, com foco na COP30.

🔍 E a sociedade civil vai conseguir participar da COP30?

Apesar dos avanços, ainda existem grandes barreiras. A estrutura da UNFCCC é complexa, cheia de siglas e regras que dificultam a participação de quem não é parte das delegações oficiais. A maioria das COPs é dominada por diplomatas, negociadores e grandes ONGs. Para as comunidades tradicionais, pescadores e juventudes periféricas, entrar nesse espaço é uma luta.

Mesmo assim, há boas notícias:

  • Já está em curso a criação da Casa Vozes dos Oceanos, que será um espaço aberto ao público em Belém.
  • A enviada especial para o Oceano na COP30, Marinez Scherer, tem articulado escutas e diálogos com organizações da sociedade civil.
  • Grupos da Amazônia e de zonas costeiras já estão se mobilizando para ocupar a conferência com propostas concretas.

🧭 Caminhos possíveis até Belém

Precisamos de um esforço coordenado para:

  1. Traduzir os processos da UNFCCC para a linguagem dos territórios.
  2. Mapear eventos-chave antes da COP30 — como o Encontro de Ministros Negociadores em Brasília (outubro) e o Fórum de Governos Subnacionais no Rio (novembro).
  3. Elevar experiências de sucesso vindas de comunidades locais para o centro das discussões climáticas.

Afinal, são esses povos que vivem nos territórios mais vulneráveis e que também detêm saberes valiosos para soluções de adaptação e conservação.

🌐 A COP30 pode ser diferente

O Brasil já demonstrou capacidade de promover escuta ativa, como fez no G20 Social no Rio em 2024. E vimos em Nice o quanto consultas abertas com a sociedade civil podem influenciar os rumos das conferências.

Agora, com a COP30 se aproximando, temos a chance de consolidar o oceano como um dos grandes protagonistas da agenda climática — mas com justiça, com equidade e com a participação real de quem vive o oceano no dia a dia.

Porque sem o oceano, não há clima estável, nem futuro possível.

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