Após um ano de pesquisas nas ilhas de Peças e Palmas, localizadas no Parque Natural Municipal de Prainha e Grumari, o Projeto Ilhas do Rio, por meio do seu eixo de advocacy e incidência política, assumiu a liderança na criação de um Grupo de Trabalho (GT) multinível e intersetorial, com objetivo de discutir a criação de novas (ou a ampliação) das já existentes unidades de conservação na região. Composto por diversos agentes civis e gestores públicos municipais, estaduais e federais, o grupo se reuniu pela primeira vez dia 25 de fevereiro, dando o pontapé inicial para a elaboração de um documento oficial, que será entregue às autoridades competentes, garantindo a proteção efetiva de ambas as ilhas, que em 2024 foram incorporadas ao Ponto de Esperança das Ilhas Cagarras e Águas do Entorno, dentro do programa de Hope Spots da Aliança Internacional Mission Blue.
As pesquisas e o trabalho de advocacy do Projeto Ilhas do Rio foram viabilizadas com o apoio da Mission Blue, através da parceria com a Rolex e seu programa Perpetual Planet.
Cerca de 90% do Mar Territorial do Rio de Janeiro foi classificado como de Alta Importância Biológica por um esforço nacional de Planejamento Espacial Marinho (PEM). Apesar disso, menos de 1% do território marinho da cidade é protegido como área de exclusão, subindo para 4% se considerado o estado. Esses números são baseados no Plano de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática para a Cidade do Rio de Janeiro (PDS, 2020), que carece de ações de conservação oceânica consideradas relevantes para o combate às mudanças climáticas.
Desde que o projeto iniciou o levantamento da biodiversidade marinha nas Ilhas de Peças e Palmas, em 2024, os estudos revelaram a presença de uma rica quantidade de espécies, entre elas, algumas ameaçadas de extinção e outras endêmicas (encontradas somente nessa região). Porém, também expuseram impactos ambientais significativos causados pelo turismo desordenado e a pesca irregular, acendendo um alerta para a necessidade de regulamentar os diversos usos na região.
Tais dados corroboraram para a proposta de inclusão das ilhas na área do Hope Spot das Ilhas Cagarras e Águas do Entorno, cuja extensão total subiu de 17 mil hectares de área para 57 mil hectares. “Essa expansão representa uma vitória significativa para a conservação, colocando as ilhas em foco na luta pela proteção do meio ambiente”, explica Mariana Clauzet, Profissional de Advocacy e Incidência Política do Projeto Ilhas do Rio.
Diante desse cenário, o Projeto Ilhas do Rio assumiu a liderança na criação do GT, chamando para o centro da discussão não só os gestores públicos como pescadores, agentes de turismo, institutos de pesquisa e organizações da sociedade civil de forma a criar um documento que compatibilize o lazer dos usuários, a socioeconomia dos atores locais e a conservação ambiental. Para Mariana, esse processo colaborativo é fundamental para a construção de um consenso sobre o manejo da região e para o sucesso da elaboração do documento final, que será feito em três encontros (fevereiro, março e abril).
“Mais do que criar unidades de conservação, é essencial que elas sejam eficazes e contem com a participação ativa da população local e dos atores diretamente envolvidos. A inclusão desses grupos no processo de tomada de decisão é crucial para o sucesso da proposta”, reforça Mariana.
A iniciativa é alinhada à meta global 30×30, que visa proteger 30% das áreas marinhas e 30% das áreas terrestres do planeta até 2030, além de garantir e permitir que pelo menos 30% das águas terrestres, interiores e de áreas costeiras e marinhas, sejam efetivamente conservadas e gerenciadas por meio de sistemas ecologicamente representativos, bem conectados e equitativamente governados.
“Vale lembrar que já foi divulgada uma iniciativa do estado para criação de duas Unidades de Conservação no litoral do Rio de Janeiro e uma será na região da Prainha. Então, nós estamos colaborando e levantando a base de dados necessários para que isso aconteça. Trazendo os grupos locais para a mesa de discussão e mostrando o que são esses usos tradicionais da área. O que realmente a gente pode manter? Quais usos deletérios que poderiam ser facilmente retirados? O que se pode tirar daqui para ganhar ali com o turismo? É preciso fazer uma capacitação? Quais são as áreas sensíveis para conservação? Enfim, todos esses pontos serão abordados na elaboração desse documento”, frisa Aline Aguiar, Coordenadora Científica do Projeto Ilhas do Rio.
Outro local que merece atenção e está na mira do Projeto Ilhas do Rio é as Ilhas Tijucas, também localizada na Zona Oeste da cidade. Composta pelas ilhas do Meio, Alfavaca e Pontuda, de acordo com o levantamento que o PIR vem fazendo desde 2013, as Ilhas Tijuca abrigam mais de 200 espécies de peixes, tartarugas, aves marinhas e mamíferos marinhos. Mesmo sem proteção formal, a ciência já comprovou que a área funciona como um berçário para espécies ameaçadas e endêmicas, além de desempenhar um papel fundamental na conectividade ecológica com outras áreas protegidas.
Antes mesmo do Projeto Ilhas do Rio iniciar suas atividades nessas ilhas, diferentes estudos e diagnósticos reconheceram sua importância ambiental, resultando em diversas propostas para sua inclusão em unidades de conservação (UCs). No entanto, a pesca desordenada, o turismo sem controle e a poluição agravada pelos emissários submarinos, canal da Joatinga e resíduos urbanos comprometem a saúde desse ecossistema.
“A proteção das Ilhas Tijucas fortalece os corredores ecológicos marinhos, auxiliando na recuperação da biodiversidade e na adaptação às mudanças climáticas, representando um avanço significativo para o Rio de Janeiro em suas metas de preservação dos oceanos e na garantia de um legado ambiental para futuras gerações”, salienta Mariana.
“Os estudos do projeto mostram as Ilhas Tijucas como as mais impactadas no litoral do Rio de Janeiro, e no verão o uso intenso e desordenado vem chamando a atenção. Portanto, estamos trabalhando com o poder público e atores locais de modo a buscar um ordenamento das atividades tradicionais da região que sejam ao mesmo tempo compatíveis com a proteção da biodiversidade das Ilhas Tijucas. Afinal, as atividades de turismo ecológico e a própria pesca artesanal dependem também diretamente do ambiente saudável”, afirma Aline.
HISTÓRICO DAS PESQUISAS – Desde 2011, o Projeto Ilhas do Rio vem estudando e promovendo informações sobre o Monumento Natural das Ilhas Cagarras (Unidade de Conservação Marinha Federal de Proteção Integral) e outros ecossistemas insulares. Em 2024, o trabalho foi ampliado para as ilhas de Peças e Palmas. O levantamento da biodiversidade já registrou a presença de 102 espécies de peixes recifais. Três delas são endêmicas da província brasileira: Elacatinus figaro (gobi-barbeiro), Sparisoma axillare (papagaio-cinza) e Sparisoma tuiupiranga (papagaio-vermelho). Uma espécie exótica também foi identificada: Chromis limbata (castanheta-das-Açores). Entre as 39 espécies alvo da pesca estão garoupas, corvinas, sargos, robalos e xaréus. Em outubro, um grande cardume de Trichiurus lepturus (peixe-espada) foi registrado, demonstrando sua ocorrência próxima às costas rochosas.
Também foram listadas na área, até o início de 2025, 143 espécies de organismos bentônicos, ou seja, seres que vivem associados ao fundo e ao costão rochoso. Dentre as espécies registradas, inclui uma avistada pela primeira vez no Rio de Janeiro, o nudibrânquio Roboastra ernst. Polvos e lagostas (Octopus americanus e Palinurus argus) estão entre as espécies com alto valor para pesca, além do coral-cérebro (Mussismilia hispida), a estrela-do-mar Astropecten brasiliensis e o ouriço-lilás Lytechinus variegatus, presentes na lista de espécies ameaçadas de extinção.
O projeto também realizou uma pesquisa de batimetria da região (novembro e dezembro de 2024), que indicou um declive gradual no fundo do mar em frente às praias e um declive acentuado ao longo das costas rochosas do continente, especialmente no lado leste das ilhas. As áreas rasas são consideradas prioritárias para proteção, pois são cruciais para o recrutamento de espécies.
Por fim, com o objetivo de fortalecer a proteção do Parque Natural Municipal de Prainha e Grumari (MNP) o projeto realizou um workshop participativo com a presença de órgãos governamentais e partes locais para compartilhar os conhecimentos sobre a biodiversidade marinha da área e seus ecossistemas, além de discutir sobre a legislação vigente, as melhores práticas para turismo sustentável e pesca e os impactos associados a essas atividades. Cinco agências governamentais locais já estão envolvidas na discussão: Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAC), Agência de Gestão de Áreas Protegidas (GUC), Centro de Vida Marinha, Diretoria dos Parques Naturais Municipais de Prainha e Grumari e Instituto Estadual do Ambiente (INEA).